terça-feira, 5 de junho de 2012


Recordo nitidamente como um cunho de contraste, com o sol cúmplice a abençoar aquele momento. A caminhada era já eterna, mas nenhum de nós se parecia incomodar, o motivo que nos fizera andar, estava agora em segundo plano. O meu olhar adivinhava nela a eterna questão: porquê? Porque é que alguém me fazia andar sem destino? Porque é que apesar do cansaço, cada quilómetro parecia o primeiro, pois tal era o prazer de sua companhia?
Retivera-a intuitivamente. Havia localizado de soslaio a nossa oportuna paragem., “ESTRELICIA” a ave-do-paraíso, – pensava, enquanto sugeria uma pausa na nossa viagem.
Á entrada e junto ao balcão, um casal saboreava em conversa o seu café, a sala naturalmente iluminada, projectava os espelhos decorativos como para marcar a alma dos apaixonados ali já vividos, tal quadro propiciava vontade e sem mais, nossos lábios se tocaram, vezes sem conta, lubrificando os nossos desejos.
- Boa tarde, o k deseja? – Perguntou a empregada fitando-a exclusivamente.
- Água, para me matar...o desejo. - Respondeu ela ironicamente. 
         Fascinante, oportuno, mas sobretudo inteligente, pois há muito que nos sentíamos observados de um jeito reprobatório.
         Deixáramos a estadia em resposta à recusa da insistência dos nossos instintos amorosos.
Extasiados pelo humor, repetíamos com ênfase cada palavra pejorativa contra nós apontada, e riamos sem dó.
Agora, aquela mulher representava a eloquência quando falava, a inteligência quando em silêncio ouvia atentamente, o seu vasto conhecimento cultural despertara a minha atenção e me deixara rendido ao seu charme.
 E um simples momento de duas pessoas em marcha se transformou, como por magia, no nosso momento, na nossa caminhada.
São as coisas simples as mais difíceis de explicar, as mais nobres, as mais ricas. É a simplicidade que inspira o intelecto.
 Aproveitávamos todos os momentos para trocar beijos e carícias mas sobretudo olhares, como que a procura da resposta para aquela encruzilhada de emoções e ausência de controlo que nos ludibriava a consciência e nos fazia sentir como eternos namorados adolescentes, quando o mundo parece ser povoado apenas por dois seres.
Finalmente tínhamos chegado, momentos após alguém se aproximava de nós dizendo.
- Está pronto. A próxima revisão está marcada para os 30000 kms.
Entramos no veiculo e olhando para os seus olhos adivinhei o seu pensamento,
Havíamos voltado a nossa vida mundana, onde as responsabilidades de adulto se sobrepõem aos nossos escassos momentos, não permitindo um verdadeiro equilíbrio emocional.
E assim, o momento tinha-se esvanecido com os raios de sol, que 
seguiam o ocaso, alertando para o fim da nossa parca epopeia.

*****
Despertei mais tarde do que habitualmente, como se tivesse sonhado e o prazer do momento resulta-se apenas de uma qualquer folia do pensamento.
Afinal, havia despertado com som estridente do móvel e do outro lado uma voz rouca e enternecida indagava.
-         Olá, acordei-te?
-         Nã – respondi como um bom mestre.
-         Será que podes repetir todo o meu sonho?
-         Quem és? Repliquei provocante.
-         Sou aquela que me fizeste esquecer que tenho uma filha adolescente que precisa de mim todos os dias, um teenager de 10 anos que me pergunta o que tenho, três gatos dois cães e... um homem que tenho a certeza que é meu.
-         Não dês nada como garantido na vida, tudo que possuímos não nos pertence, vivemos apenas o privilégio de “poder gozar o bem” – pareceu-me demasiado filosófico para o momento apesar de tudo continuei.
A única certeza que tens é o nascimento dos teus dois filhos e como bem sabes no dia do amanha é bem possível que o nosso presente já nem exista.
-         Ficarás na minha vida para todo o sempre – respondeu convicta reflectindo os seus amadurecidos trinta anos.
Estou já perto de onde vives neste momento, estás pronto para sair?
Fiquei siderado, mas na verdade já esperava dela tal atitude, a química era agora indesmentível.


Estás condenado a viver eternamente com a mesma mulher. - Pensava, enquanto nossos olhares intensos seguiam o mesmo desejo.
Seu corpo pressionava o meu, fundindo-o num só, estava dentro dela com tal intensidade que parecia que nenhum dos dois existia e era-mos agora apenas um pensamento, uma visão da verdade sobre o mundo, o momento sublime por todos  nós desejado.

*****
A noite já ida, deixara espreitar os primeiros raios de sol anunciando o nascer da aurora, adormecera-mos naquele imenso vão de areia.
O néctar de Baco teimava em residir em nossos lábios fruto do luxurioso jantar da véspera. O suor dos corpos testemunhando a nossa algazarra de amor, confundia os odores, deixando no ar um leve toque agridoce e madeiras exóticas.
O brilho do seu olhar letárgico e suas suaves mãos desenhavam os contornos da minha face e fazia-me adivinhar o seu mistério. Onde estavas?
-       Eternamente a tua procura, respondi em voz firme mas terna.
-       Ficaremos juntos para sempre, dizia ela convicta.
Desejava apenas viver aquele momento intensamente, pois sabia que a nossa
fase de adolescentes á muito que havia acabado e era já tarde para acreditar em promessas de amor. Voltáramos a adormecer, agora já com a presença do sol radioso e do som das gaivotas que pareciam anunciar o nosso enlace, ao mundo.
*****
Aquele momento fizera-nos esquecer as nossas responsabilidades mas o portador das boas e más notícias encarregar-se-ia de nos lembrar. E fizera-o com tal fúria que estremecemos com tal surpresa.
-         Do outro lado, alguém perguntava desgostosa.
-         Mãe, por acaso não te esqueces de nós?
-         Que horas são? - Perguntou-me em surdina.
-         Faltam sete para as dez. – Respondi.
Entretanto a chamada caíra.
-         Merda! Tenho que levar os meus filhos á escola.
Era já seguro que aquela mulher passara a barreira racional, fruto do caleidoscópio de amor e isso despertava em mim um sorriso inocente.
- Tem calma, já não chegas a tempo, com certeza os teus filhos estão em casa e em segurança neste momento. - Respondi, procurando ordenar os nossos pensamentos.        
 Discara o número sem olhar.
- Sim, filha desculpa! Deduzo que não foram para escola?
- E deduzes bem? Respondeu a filha com ironia e em jeito de provocação.
- Estarei em casa dentro de 15 minutos, não saias, pois quero falar contigo a com o teu irmão, entretanto, vai preparando a mesa para quatro pessoas.
Levantamo-nos em simultâneo e recolhemos os poucos objectos que trouxera-mos, contudo a toalha que protegera nossos corpos ficara intencionalmente esquecida, como que marcando o local que havíamos escolhido para amar.
 
*****
Esta taglatelle está magnífica. - Dizia
 Ao meu lado uma jovem adolescente e bem-parecida, avaliava todos os meus movimentos na esperança de poder apontar um qualquer defeito no futuro. Típico de adolescente.
Por tempos, reinou o silêncio naquela mesa e dei por mim a pensar como tudo
tinha acontecido tão depressa, afinal, havíamos cruzado os nossos olhares há poucos dias.
-         Queres repetir? Perguntou ela
-         Não, Obrigado. 
Na verdade o prato era um pouco estranho para mim nunca fora grande apreciador de comida vegetariana e a verdade é que não me via a converter-me tão cedo, como estava enganado.
-         De certeza que não queres repetir, pouco comes-te?
-         Ainda estou em compensação com o nosso jantar de ontem.
Ao lado percebia nitidamente o desconforto da jovem por toda a intimidade e não se contendo deixou escapar ironicamente:
-         Afinal esqueceste-te do fiambre, que compras-te ontem!
-         Como?!! – Perguntou, denotando estar completamente alheia á conversa da filha.
-         O fiambre.!! Ontem não sais-te para comprar fiambre?
-         Há pois... o fiambre, fica descansada que a mãe compra-te um porco inteiro para não mais teres falta. – Disse ironicamente, despoletando na mesa em uníssono uma forte gargalhada.
Á parte da sua indubitável beleza, apreciava aquela atitude francamente positiva e o seu sentido de humor. Afinal, fora tal comportamento que havia suscitado o meu interesse por ela bem recentemente.
O ambiente sereno e tranquilo da sala, escondia o pensamento da jovem, mas facilmente se adivinhava com um pouco mais de atenção.
A minha presença no futuro iria sem dúvida, comprometer a atenção que a mãe lhe dedicara e isso deixava-a frágil, temente, incapaz de resolver seus problemas. Adivinhei naquele momento o início de uma quezília nada agradável para ambos. Teria como beligerante uma adolescente, filha da mulher que amava.
         Sentada sobre as pernas cruzadas impelindo os joelhos contra si com as mãos, olhava-me intensamente encenando um semblante carente e infeliz, como que pedisse para ser acolhida nos meus braços.
         Indiferente a atitude da filha, que resolvera marcar a sua presença na sala, levantei-me da cadeira de vime trabalhado, peguei em sua não e disse:
-        Estou com sede e apetece-me apanhar um pouco de sol, também?
-        Os seus desejos são ordens – exclamou em jeito teatral fazendo um vénia subordinada, enquanto se levantava.
         Sua atitude fez-me questionar se notara a insegurança da filha e toda a situação ali vivida, pois tal era a felicidade permanente evidenciada em seu rosto.
*****
A penumbra da noite, definia em pleno o breve momento sombrio, posicionara o guardar sol esquecido avivando a escuridão para que sentisse o meu desconforto.
-         Bem sei que vamos ter problemas com a minha filha.
-         Estava a pensar como resolve-los, mas conto contigo. - Respondi anuindo á sua observação.
-         Não te preocupes, ela nunca aceitou o meu divórcio. Bem sei que vai ser difícil, de todo o modo é sempre ultrapassável e para isso tens todo o meu apoio.
-         Brindamos ao nosso amor ou talvez a nossa vitória. Tinha agora uma influente aliada para a minha batalha.
-          
*****
-         A sala escura e silenciosa, preservava a intimidade dos presentes mas o braço em mogno industrial dividia os lugares, impedindo o contacto do calor dos nossos corpos.
-         O ecran  projectava a vida de alguém que vivia com angústia o sofrimento de entender o amor sem limites algo tipo mastroianni, ou truffaut. 
-         Assim, ficamos impedidos de lambuzar os nossos sentimentos, mas vivendo em pormenor aquele relato cinematográfico, como se o destino nos quisesse impor a percepção do lado complexo da vida.
O relógio marcava dez para as três, á nossa frente a multidão evadia a sala em ritmo pausado e ordeiro fruto talvez de o acumular de horas sem repouso do dia agora findo. Havíamos combinado ficar para o fim como para marcar a nossa diferença daquela multidão, para nós seria sempre o início de mais um dia e nunca o fim da noite.
Havia posicionado o banco de forma a criar o maior espaço possível entre mim o volante permitindo o apoio da sua cabeça em meu ombro direito e assim ficasse o mais confortável possível.
A estrada mal iluminada e deserta evidenciava a hora em pleno.
Decidíramos passar a noite num motel por mim sugerido. O portão semi-encerrado e a  fachada plantada em granito industrial identificava um edifício  reservado e acolhedor.
O guichet encastrado no muro lateral, escondia uma funcionária discreta
-          que num acto mecânico apenas deixou escapar:
-         Bilhetes de entidade, por favor. Quanto tempo ficam?
-         Pretendemos apenas passar o resto da noite – respondi, adivinhando entre dentes um sorriso malicioso como que confirmando uma total empatia pelo momento.
-         Não é nada de se perder, observei em jeito de provocação enquanto estacionávamos a viatura.
-          O quarto,  embora espaçoso, comportava apenas uma enorme cama duas mesinhas um pequeno sofá e ao fundo, um móvel de estatura média que servia em simultâneo de bar e aparador.
-         - Temos que nos levantar a tempo de levar as minhas crias à escola – observou ela com seu olhar penetrante e um sorriso malicioso.